Notas & Reportajes: A fotografia e a morte da morte
Foto Andy Goldstein. de la serie La Muerte de la Muerte. 1979
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Stefania Bril. A fotografia e a morte da morte. Diario O Estado de Sao Paulo. 1980
ANDY GOLDSTEIN AO MUSEUM DA IMAGEM E DO SOM - SAO PAULO - BRASIL
A fotografia e a morte da morte
O visual atinge dimensôes filosóficas. A da morte da pessoa e do seu retrato. Sâo fotos calmas. Elas não gritam, mas perturbam e fazem pensar. Sâo as fotos da mostra “La Muerte de la Muerte", do argentino Andy Goldstein, no MIS (Av. Europa 158)
A técnica precisa, de alto poder de definição (graças ao saber do ofício e ao uso de um filme de pouca sensibilidade, como o Panatomic) serve somente de ferramenta para compor a imagem desejada. O espectador percebe apenas na superficie as texturas e as formas, para logo mergulhar dentro da fotografia e testemunhar a morte “por três vezes” de uma pessoa.
A primeira acontece, conforme Barthes, já na hora de tirar o retrato; seria a morte do individuo sendo transformado num objeto. A segunda sería a morte física e finalmente sobreviveria a morte total no esvaecimento da imagem e na afirmação do esquecimento.
A exposição das fotos que foram feitas por Andy Goldstein, em 1979, em diversos cemitérios de Buenos Aires, é montada com sobriedade e ao mesmo tempo com requinte. O requinte existe na apresentação de 15 fotos com passepartout preto numa caixa de madeira, levando na sua tampa um retrato fúnebre, abrigado numa moldura esmaltada oval.
Às vezes, a imagem intacta no fundo de uma cruz deteriorada parece transpor a fronteira da morte e continua tender para a vida. O rosto fita, o olhar manda e os lábios dissimulados atrás dos bigodes escondem um sorriso parado. Parece que o homem desaparecido, transmitindo a autoridade ou a cumplicidade, a ternura ou a severidade participa do mundo dos vivos. Às vezes a terra, a pedra, o cimento invadindo o ser humano emprestam a sua substância e a sua cor ao retrato. O rosto adquire uma estrutura fragmentada. Não há mais expressão, só resta a matéria.
O que impressiona no trabalho de Andy não é a última foto, a da caveira, que aliás é supérflua, porque fecha o ensaio numa imagi obvia. É das fotos anteriores que emana a força e a poesía que levam o espectador a imaginar a refletir. O rosto que se dissolve lentamente, perdendo a expreseâo e os contornos, transforma-se numa mancha luminosa sem memória. E o nada, aprisionado numa moldura oval solene, que delimita os mundos da lembrança desaparecida e da matéria existente, constitui o único testemunho da morte total não somente dos que foram retratados, mas dos que fizeram retratar.
Stefania Brill. O Estado de Sao Paulo. 20 de junho de 1980